Como a revista VICE Brasil conseguiu misturar o ódio a “youtubers” e Felipe Neto com uma polêmica seríssima envolvendo estupro que não tem nada a ver com ele…
São 21 anos de internet. Trabalho exclusivamente com jornalismo na internet desde 1997 quando fui chamada para fazer o conteúdo de um site de anunciante e, na mesma época, colaborava com textos sobre cultura para o site do Estação Botafogo. De 1º de maio de 1998, quando comecei a colaborar no ZAZ (hoje portal Terra), até hoje trabalho praticamente ininterruptamente na web postando textos ou vídeos pelo menos uma vez por semana, na maioria das vezes aqui no Bitsmag.
Estou dando esse feedback da minha carreira para mostrar que eu tenho testemunhado a guerra entre a velha e a nova mídia e como ela vem se metamorfoseando durante esse tempo.
De início os grandes vilões eram os portais. Depois esses portais se fundiram ou agregaram a maior parte da mídia escrita (jornais e revistas).
Outros fatores além da internet também corroboraram para a falta de credibilidade que o jornalismo tem hoje, como o auge do jornalismo de tabloide nos anos 90 e 2000, a mídia de fofoca. As redes sociais preencheram o espaço deixado pelo ocaso desse tipo de publicação.
O que vivemos hoje é a briga entre vídeo online x TV x sites de conteúdo. O vídeo online, que vem vencendo essa batalha, seriam as plataformas como YouTube e outras de postagem de vídeos, além dos portais de streaming como Netflix ou Amazon Prime, entre outros, incluindo dos próprios canais de TV.
Se a internet estava ameaçando o crescimento da mídia em papel, hoje a internet ameaça as TVs. No entanto nunca se fez tanto vídeo, cinema e TV no mundo. Nunca houve tanto espaço para o audiovisual, mas essa é outra história.
Quero falar do ódio explícito ao que acabou se denominando de “youtuber”. O que seria um “youtuber”? Desde a senhora de 80 anos que posta vídeos de culinária ou tricô, até os garotos que fazem pegadinhas ou postam vídeos de games online, são todos “youtubers”. É tão ridículo denominar alguém de “youtuber”, como todo preconceito que hoje esse nome carrega, porque na verdade quem faz isso profissionalmente não posta somente no YouTube, mas também em todas as outras plataformas que aceitam vídeos: YouTube, Facebook, Linkedin, Vimeo e o novíssimo IGTV do Instagram.
O YouTube é a plataforma de vídeos que agrega mais pessoas, tanto postando quanto assistindo. Eu passo mais tempo assistindo YouTube do que a TV tradicional. Assino canais de todos os apresentadores de talk shows americanos, como Trevor Noah, além de canais de gastronomia, de maquiagem, ou de criadores excepcionais e revolucionários como Casey Neistat e o guru de maquiagem Jeffree Star.
Fico horas no YouTube. Tenho meu próprio canal também e posto matérias de viagem e cultura. Assino alguns canais brasileiros como a querida Karen Bachini e sim, assino o canal de Felipe Neto. Não vejo todos os vídeos dos canais que assino, a não ser do Casey Neistat e do Trevor Noah, os quais assisto religiosamente assim que são postados.
Felipe Neto é guru do YouTube brasileiro. Eu adoro o Felipe Neto, admiro muito esse rapaz. Se hoje ele está fazendo conteúdo mais voltado para crianças é porque essa foi a decisão mercadológica dele. Ninguém tem que se meter, nunca vi nada de nocivo nos vídeos dele. Houve este ano uma polêmica que ele estaria pedindo às crianças para que peçam aos pais para comprar ingresso para um evento, ou livro (realmente nem perdi meu tempo com a polêmica). Mas não é isso que toda propaganda para produtos infantis faz?
Menos, por favor. Outra grande polêmica do ano foi de Logan Paul, influenciador americano que teve um crescimento meteórico depois de começar a postar diariamente no YouTube em 2016.
Nem vou entrar em detalhes sobre Logan pois fiz um vídeo falando sobre isso no começo do ano. Eu comentei sobre como Logan usou o suicídio de uma pessoa para conseguir visualizações, mas francamente, ele não é o primeiro nem o único. A revista Vice fez um documentário, inclusive postado no YouTube, onde faz sensacionalismo, e muito, com o assunto. Na época da polêmica do Logan Paul muita gente citou esse vídeo da Vice como um conteúdo que “respeita” os suicidas da Floresta Aokigahara no Japão.
Nesse documentário da Vice, como a maioria produzida por eles, o sensacionalismo e o oportunismo imperam. O jornalista e os cinegrafistas fizeram absolutamente a mesma coisa que Logan Paul (só não deram risada, isso é verdade). Eles acompanharam um homem que vai à floresta para conversar com as pessoas que acampam ou que estão ali, prestes a se suicidar. Em um determinado momento ele entra na tenda de uma pessoa, e as câmeras acompanham quase até dentro da cabana. Sinceramente? Entrar na Floresta dos Suicidas com uma câmera já é sensacionalismo. Depois cutucaram o assunto sem o menor conhecimento, com a desculpa do homem que tenta convencer as pessoas a desistirem de se suicidar (que bonzinhos…).
A Vice lucra com vídeos de desgraça no mundo todo, essa é a “marca” dessa publicação e eu não gosto. Não me convence.
Não foi com surpresa que assisti ao vídeo de Felipe Neto hoje sobre o horroroso caso de Everson Zóio, um outro criador de vídeos o qual, por acaso, posta no YouTube (e também no Facebook e no Instagram). Alguém achou um vídeo de anos atrás onde ele relata um estupro em uma ex-namorada mas ele argumenta que o relato é uma mentira que ele mesmo inventou. Nem vou discutir isso aqui, ele tem de ser investigado, a tal namorada tem de depor e isso já está acontecendo. O YouTube deve expulsar esse criador? É uma possibilidade sim, no entanto eu deixo para a justiça resolver esse assunto que na verdade me dá nojo. Enfim, cito o caso pois Felipe Neto falou da coluna da revista Vice comentando o suposto estupro de Everson Zóio, colocando todos os “youtubers” como uma desgraça “do país” (é uma plataforma mundial) e ele, o próprio Felipe, que não tem absolutamente nada a ver com Zóio, como o pior de todos. É uma conversa de adolescente sem embasamento, repetindo preconceitos e mostrando uma ladainha rançosa.
Eu se fosse Felipe Neto processava a publicação canadense que não entende nada de Brasil e contrata gente aqui sabe lá segundo qual critério. Seria sensacionalismo o critério? Marketing digital? Quer dizer que um indivíduo X faz uma besteira e todos que postam vídeos na mesma plataforma (milhares de pessoas no Brasil e no mundo) tem culpa, são todos errados e, quiçá, estupradores também.
Posso dizer que eu não estupro ninguém e posto vídeos no YouTube.
Esse discursinho de “jornalista” raivoso sem conteúdo, sem embasamento, sem argumento e cheio de preconceito é que vem matando a mídia tradicional, muitas vezes querendo usar a mesma linguagem das redes socias. A moça que escreveu deveria pensar melhor se deve continuar comprando briga de cachorro grande (e velho). No final é a mesma velha conversa: mídia velha x mídia nova.
Essa Vice metida a cuspidora de “verdades” me enche a paciência não é de hoje.