Adidas festa nazista no Rio – Marketing ao avesso


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O inacreditável caso da festa de “branding” da Adidas que aconteceu em casa de colecionador de obras de arte nazistas

Aconteceu em maio de 2009 uma edição da Adidas House Party no Rio de Janeiro. A ação de marketing da marca gigante alemã de produtos esportivos consistia em realizar festas em várias cidades do mundo com um conceito básico: eventos restritos a convidados e produzidos por uma equipe local de cada uma dessas cidades, dentro de uma residência. O departamento de marketing da Adidas contratava uma empresa de produção de festas em cada cidade e elegia “curadores” responsáveis por traduzir na ambientação do evento, na escolha da locação e na escolha dos convidados, o específico lifestyle (comportamento) dos jovens de cada parte do mundo, adoradores da grife. O evento tinha sempre a participação do fotógrafo de festas Cobrasnake, de Los Angeles, único autorizado a documentar as festas Adidas House Party.

O conceito da festa não tinha nada de novo. Não havia necessariamente curadoria de conteúdo artístico, nada além da programação de DJs da festa e shows ocasionais. A julgar pelas fotos de Cobrasnake, se vê que não havia grandes produções de cenário e luz na ambientação que refletia apenas um momento mostrando a juventude de várias cidades do mundo se divertindo, potenciais compradores da marca. De fundo havia sempre a logo da Adidas.

A ação de marketing ia bem no mundo todo, com vídeos virais pelo YouTube e sempre um grande burburinho em cada cidade que passava, isso até o evento chegar no Rio de Janeiro. Como se a cidade pudesse agüentar mais um equívoco de imagem, a festa Adidas House Party foi considerada um evento de propaganda nazista.

A produtora da festa no Rio foi a empresa Slash/Slash (sem site na internet) do produtor Daniel Di Salvo. Os curadores escolhidos foram os DJs Gustavo MM, Xande e Nepal, a cantora Thalma de Freitas e o programador do canal a cabo GNT/Globosat, Jorge do Espírito Santo, além do músico e DJ Zeca Veloso, filho de Caetano Veloso. O dono do imóvel onde foi produzida a festa é  Luiz Fernando Penna. O dono da casa não avisou a produção que era colecionador de artefatos nazistas e a produção também não se deu o trabalho de verificar a locação alugada para o evento.

Nem a empresa produtora e nenhuma destas pessoas notou o que os convidados comentaram o tempo todo: vários indícios de que a casa pertencia a um entusiasta do nazismo. Na decoração da casa havia mais de uma imagem da suástica, a marca mais conhecida da ideologia racista alemã.

O escritor João Paulo Cuenca, que na época tinha uma coluna no jornal O Globo, publicou fotos de duas peças que remetiam ao nazismo e mostravam o emblema da suástica. Os azulejos da piscina eram decorados com a suástica. Um quadro que estava em uma das salas da casa era de um oficial do exército nazista, portando uma medalha com a suástica e também uma imagem deste símbolo que, apesar de ter orígens na cultura hindú, é hoje a maior marca do nazismo e neo-nazismo, praga que cresce cada vez mais no mundo e tem fiéis seguidores no Brasil.

Fotos: João Paulo Cuenca e Michel Melamed

Cuenca publicou as fotos em seu blog no Globo ainda de madrugada, ao voltar da festa e, como se pode imaginar, na manhã do dia seguinte esse conteúdo se tornou um viral do que mais a companhia podia temer: uma ligação da Adidas com o nazismo. Nos sites de relacionamentos Facebook e Orkut, no Twitter, em blogs e em cometários no próprio blog de João Paulo Cuenca o assunto fervia e incitava os comentários mais acalorados, alguns deles defendendo a produção da festa, dizendo que ninguém tinha a intenção de fazer apologia ao nazismo. Não tiveram a intenção, claro, mas são absolutamente incompetentes como produtores de evento.

O descuido da produção deve deixar uma marca difícil de apagar: pela lei 7716 da Constituição Brasileira é passível de pena de reclusão de 2 a 5 anos e multa: “Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilize a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo”.

É de uma infelicidade incrível que o descuido da produção da Adidas House Party do Rio de Janeiro tenha acontecido exatamente na semana em que foi noticiada a apreensão de mais de 300 peças alusivas a Adolf Hitler pela polícia gaúcha. O titular da 1ª Delegacia de Polícia de Porto Alegre, Paulo César Jardim, declarou que, apesar de nenhuma prisão ter sido efetivada, a ação evitou ataques terroristas em sinagogas do Rio Grande do Sul.

Mais de dez assasinatos ocorridos naquele mês estavam sendo investigados no Brasil com suspeita de envolvimento de elementos brasileiros simpatizantes do neo-nazismo. Num quadro dessa natureza uma ação de marketing de uma marca gigante de moda esportiva e jovem, por uma trapalhada da produção, envolve a empresa numa suposta ligação com o nazismo.

Não era a primeira vez que a Adidas tinha de explicar indícios de ligações com o nazismo. Durante a Segunda Guerra Mundial Adolf Essler, o fundador da Adidas (o nome vem de seu apelido, “Adi”) e seu irmão Rudolf Essler fabricaram em sua empresa de sapatos, a Dassler Brothers, armas altamente letais que ficaram conhecidas como “Panzerschreck” (“Terror dos Tanques”). O lançador de foguetes anti-tanque era uma arma extremamente eficaz que apavorava as tripulações dos tanques aliados.

Após a guerra os irmãos se separaram e fundaram empresas concorrentes e a ligação com o nazismo durante a guerra foi um dos motivos da separação dos irmãos. Rudolf Dassler acusava Adolf de conspirar para que ele fosse servir no exército alemão na Polônia. Em contrapartida Rudolf denunciou Adolf às autoridades dos aliados como simpatizante e conspirador a favor dos esforços nazistas.

Em 1948 os irmãos se separaram: Adolf Dassler fundou a Adidas e Rudolf fundou a Puma. A interessante história das marcas que são líderes no segmento esportivo no mundo está retratada no livro Sneaker Wars: The Enemy Brothers Who Founded Adidas and Puma and the Family Feud that Forever Changed the Business of Sport, da jornalista holandesa Barbara Smit.

Neo-nazistas, skinheads, hooligans e demais grupos de ideologias agressivas, controversas, misóginas e racistas costumam dar muito trabalho a empresas de roupas. No Reino Unido a grife tradicional Burberry já gastou muito dinheiro tentando apagar da memória das pessoas o fato de que o boné xadrez é uma das características mais marcantes da indumentária dos hooligans.

No Rio de Janeiro o estrago não foi só para a Adidas, mas também para a já torturada imagem da cidade. O Rio não pode ser cenário de festas para uma juventude antissemita…

Leia abaixo comunicado do departamento de marketing da Adidas:

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