A real de Elvis como “Rei do Rock”


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Filme de Baz Luhrmann leva o legado do rock mais primitivo às novas gerações

Como todo mundo sabe, acaba de estrear no Brasil o filme Elvis, uma alegoria sobre a vida daquele que é considerado o “Rei do Rock”. Baz Luhrmann, o diretor australiano de The Get Down, Moulin Rouge e O Grande Gatsby, é o responsável por este filme que tem agradado muito o público, mas tem deixado furiosos alguns dos fãs mais fervorosos de Elvis Presley. 

O filme é um produto genuíno de Baz Luhrmann. É um musical, um filme opereta. O roteiro leva mais em conta a persona de Elvis, sua música e sua celebridade. O narrador é o seu agente, Coronel Tom Parker, personagem vivido por Tom Hanks. 

Austin Butler, ator desconhecido do grande público, vive de forma magistral o ícone Elvis Presley. Muitas das músicas são cantadas por Austin, outras são mixadas de forma excepcional com a voz original do ídolo, falecido há 45 anos. 

Ouça a trilha sonora de Elvis:

Como não poderia deixar de ser num filme de Baz Luhrmann, a trilha do filme não é simplesmente uma coletânea de melhores sucessos. Em Elvis temos as melhores canções revisitadas por artistas contemporâneos, por vezes fazendo uma versão das músicas ou então apenas incorporando partes desses sucessos em novos trabalhos.

Diplo e Swae Lee samplearam That’s All Right na música Tupelo Shuffle. Ceelo Green e Eminem usaram o começo de Jailhouse Rock em The King and I

Kacey Musgraves canta a lindíssima balada Can’t Help Falling in Love e Stevie Nicks e Chris Isaak cantam Cotton Candy Land. Os australianos do PNAU remixaram a voz de Elvis lindamente em Don’t Fly Away. Em Power of My Love Jack White tem sua própria voz em dueto com Elvis, um dueto psicodélico, híbrido, cheio de rhythm’n blues, numa faixa que revive o rock mais pesado dos anos 60. Como se vê pela trilha bastante eclética e inventiva, a leitura do legado musical de Elvis foi bastante livre. 

Bom lembrar que o filme foi aplaudido de pé em sua estreia em Cannes, levando Austin Butler às lágrimas. Ele realmente está no caminho de uma indicação ao Oscar. A interpretação de Tom Hanks, no entanto, não tem sido muito bem recebida, alguns acreditam ser um erro de escolha de elenco. Eu discordo. 

Hanks interpreta um vilão. Coronel Tom Parker, agente de Elvis Presley, foi uma figura bastante controversa. Apesar de ter impulsionado a carreira do astro, foi também um grande sanguessuga do qual Elvis teve muito trabalho para se desvencilhar. Na maioria das vezes esse tipo de pessoa consegue se manter justamente por ser simpático, amoroso. Se fosse uma pessoa desagradável teria sido muito mais fácil para Elvis se separar dele.

É infantil a ideia de que todo vilão tem de ser um personagem horrendo. Sendo assim, na minha opinião, a escolha de Tom Hanks para o papel é bastante acertada. Coronel Parker chegou a assumir o papel de pai de Elvis e Tom Hanks tem justamente esse perfil. O pai verdadeiro de Elvis era uma figura nula, como o filme mostra muito bem. 

Na minha opinião, onde o filme se equivoca é na questão das posições políticas de Elvis Presley. No filme se tem a impressão de que Coronel Parker obrigou Elvis a ser conservador. Isso não é verdade, Elvis era conservador porque queria ser, porque era um típico americano do interior, ligado à família e à religião e ele tinha orgulho disso. Sua carreira acabou colidindo com a época de maiores mudanças políticas e sociais nos Estados Unidos no século 20, os anos 50, 60 e 70.

Se Elvis Presley surgiu como um furacão de sensualidade nos anos 50, nos anos 60 ele já não era visto como inovador, muito pelo contrário. Se alistou no exército, serviu por dois anos na Alemanha, voltou aos Estados Unidos e fez filmes bem familiares, enquanto atores de sua época, como Dennis Hopper, lançaram obras bem instigantes e revolucionárias nos anos 60. Hopper, ao lado de Peter Fonda, é produtor, diretor e astro do clássico Easy Rider, um divisor de águas.

A jornada de Elvis Presley começou em meados dos anos 50, quando já existia um movimento de artistas brancos se inspirando no rock e no blues. Bill Haley & His Comets foi a primeira grande banda de rock, formada em 1952. Buddy Holly também começou a carreira no início dos anos 50. Elvis Presley iniciou a carreira no ano seguinte, 1953, na Sun Records, gravadora de Memphis que surgiu junto com o rock. Ele não foi o primeiro branco a tocar o “som dos negros”, mas fazia parte dessa fase do rock’n roll, conhecida também com rockabilly, juntando música country ao rhythm’n blues.

O “billy” de rockabilly vem do termo hillbilly, que quer dizer “caipira” em inglês. Fazem parte dessa fase do rock Carl Perkins, Johnny Burnette, Jerry Lee Lewis e Roy Orbison.

Elvis foi um artista mais intuitivo do que movido por suas ideias. Ele estava no centro da produção da nova música dos Estados Unidos naquele momento. Memphis e Nashville são as duas cidades chave do country, do gospel e do blues. Lá estão dois dos grandes estúdios que encabeçaram as gravações dos maiores nomes da música norte americana nos anos 50: RCA Vitor em Nashville e o já mencionado Sun Records, em Memphis. 

Se Elvis acabou sendo elevado ao título de “Rei do Rock”, isso se deve ao seu carisma e à magia que emanava no palco, além de suas raízes musicais, independente de suas posições políticas. Elvis, no entanto, tenta mostrar que ele batia de frente com seu agente quando queria fugir do estilo mais familiar e vendável. Isso devia acontecer, mas não necessariamente por questões políticas. 

Elvis era um verdadeiro conservador, foi visitar o republicano Richard Nixon na Casa Branca numa época em que a grande maioria dos artistas evitava essa conexão. Isso não foi imposição de seu agente. 

Esse conservadorismo de Elvis não tem sido bem visto pela geração de jovens da atualidade que está ouvindo falar dele pela primeira vez. O ídolo tem sido “cancelado” por ter começado a namorar Priscila Presley, sua esposa, quando ela tinha 14 anos e ele 24. Na época, e principalmente nessa parte dos Estados Unidos, de mentalidade atrasada até hoje, as mulheres se casavam muito cedo. 

A atração de Elvis por mulheres novinhas não está reverberando bem na Geração Z que está conhecendo o artista por conta do filme. Pesa ainda a questão da apropriação cultural, por ele ter feito sucesso com o som criado pelos negros americanos. Na época, mesmo que ele estivesse se apropriando, ao lado de um grupo de músicos brancos, na verdade esse movimento ajudou a propagar essa música. Músicos negros foram aceitos pelo grande público porque os brancos abriram o caminho para esse estilo, o que favoreceu todos os artistas desse gênero. 

Elvis toca de leve nas grandes feridas por trás da super celebridade Elvis Presley, mas é uma grande homenagem ao ídolo e inicia um diálogo sobre diversos assuntos pertinentes na história da música pop. É uma ótima diversão e um filme muito bonito.

Veja o trailer de Elvis:

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