Entrevista de Tony Tramell
Alice Braga e Wagner Moura estão em Cidade Baixa. Submundo de Salvador como pano de fundo de diferente argumento de triângulo amoroso.
Vencedor do Prêmio da Juventude no último Festival de Cannes, Cidade Baixa estreou na Bahia na última sexta e esta semana ganha lançamento nacional. Foi em clima de grande expectativa em relação a esta estréia que o diretor Sérgio Machado e a atriz Alice Braga conversaram com o Bitsmag.
Bitsmag – Como foi sua preparação para fazer Karinna?
Alice – A Fátima Toledo foi a pessoa que preparou a gente e ela tem um trabalho muito lindo, que é de trabalhar com o sensorial e não com o emocional. Tive uma preparação física muito forte. Foi muito intenso, ela não queria que eu interpretasse uma puta e sim que eu descobrisse a puta dentro de mim. Esse foi o trabalho dela, assim como com o Wagner (Moura) achar o Naldinho e com o Lázaro (Ramos) dachar o Deco.
Bitsmag– O que a atraiu no projeto?
Alice –Quando o Sérgio me ligou foi muito louco. Eu estava indo para os Estados Unidos para fazer divulgação de Cidade de Deus para o Oscar. Quando ele me falou que era com o Lázaro, Wagner, ele drigindo, Videofilmes e a Fátima preparando foi impossível não aceitar. Era uma oportunidade de trabalhar com a Fátima de novo, com quem eu já tinha trabalhado em Cidade de Deus e aprendido muito. E o desafio de fazer um personagem como esse, que é lindo, vida pura, visceral, que é visceral, que ama, que odeia, que vive intensamente.
Bitsmag– Foi a influência da sua tia (Sônia Braga) que te levou para a carreira artística?
Alice – Não. A Soninha foi morar fora do Brasil quando eu era pequena e eu convivi super pouco com ela. Convivi como tia, mas ela tava sempre fora. Minha mãe era atriz e aí depois ela começou a fazer assistência de direção, direção de ator e publicidade. Então eu cresci em set de filmagem, conhecia todos os amigos dela, sabia que eu queria fazer cinema, só não sabia o quê. Os amigos dela começaram a me chamar para fazer testes de comerciais e comecei a fazer e pegar. Fiz comercial com o Fernando (Meirelles) e comecei a adorar aquilo, fiz um curta, Trampolim, com o pessoal da casa de cinema de Porto Alegre. A influência da Sônia foi mais do tipo se você tem um sonho, vai atrás que dá certo. A influência maior sempre foi minha mãe.
Bitsmag– Você fez algum comercial que ficou muito conhecido?
Alice – Não lembro, fiz muitos papéis pequenos, fiz muitos comerciais de McDonald’s, C&A, Intelig.
Bitsmag– Quais os planos para o futuro?
Alice – Depois do Cidade Baixa eu fiz o Só Deus Sabe (Solo Dios Sabe), direção do Carlos Bolado, que é uma co-produção Brasil-México. Está em finalização e daqui a pouco eles devem mandar para Festivais. Agora eu tô lançando o filme e quero ver a reação.
Bitsmag– Sendo esse seu primeiro papel principal, fazer a Karinna, uma garota de programa, te dá medo de ficar estigmatizada a personagens sensuais?
Alice – Acho que não, a Karinna é tão menina, ela não é um mulherão’, um sex simbol. Ela tem 20 anos, ela é uma garota que vive daquilo por necessidade. E depois vem o Só Deus Sabe onde eu sou uma garota mais quieta, que é o oposto da Karinna. Elas são parecidas é na solidão da vida, na batalha. Porque uma é vida, vida, vida e a outra é interior, briga com a mãe, tem problemas emocionais.
Bitsmag– Qual a história de Solo Dios Sabe?
Alice – É uma garota que encontra seu destino, ela mora nos Estados Unidos e acontecem umas coisas que a trazem à sua cidade natal.
Bitsmag– Tem algum projeto que gostaria de fazer?
Alice – Eu estou com muita vontade de teatro, que nunca fiz. Eu ainda tenho muito que aprender. Essas coisas que aconteceram são lindas, foi tudo muito rápido, mas eu ainda tenho muita imaturidade artística. Eu tenho muito que estudar.
Bitsmag– Tem alguém que você gostaria de trabalhar?
Alice – Você tá na sala dele (a entrevista foi feita na sala de Walter Salles, o premiado diretor de Central do Brasil). Tem tanto diretor bacana aqui no Brasil. Tem o Waltinho; o Walter Carvalho, com quem trabalhei num dos episódios de Carandiru; o Beto Brant; o Karim Ainouz. Quando você está começando tem tanta gente que você gostaria de trabalhar.
O diretor baiano Sérgio Machado, que estréia com seu primeiro longa, também aguarda com expectativas. Chegou para a entrevista bem depois da Alice ter terminado. Ritmo frenético de quem tem vários compromissos e prepara um novo projeto, Aquário, mas que não surpreende para quem sabe que só inscreveu seu filme em Cannes aos 49 minutos da prorrogação do segundo tempo.
Bitsmag– Como surgiu a idéia de Cidade Baixa?
Sérgio Machado – Cidade Baixa surgiu do desejo de entender quem são os jovens de 20 anos no Brasil, que não têm muita perspectiva, de classes menos privilegiadas. Eu tentei entender isso a partir da perspectiva amorosa. Quem são essas pessoas que estão batalhando, que vivem com essa dificuldade, mas que estão batalhando para viver da melhor maneira que podem, curtindo a vida do jeito que dá. Tentando entender essas pessoas não através de um painel sociológico, mas das relações amorosas.
Bitsmag– O filme apresenta um triângulo amoroso diferente, como ele surgiu?
Sérgio Machado – O triângulo amoroso do Cidade Baixa é um triângulo muito particular, porque nas histórias das narrativas você normalmente usa o triângulo para falar de punição, de traição. Sempre tem um traidor e um traído, mesmo nos tempos mais modernos você sempre indica para a direção da tragédia, como Jules e Jim. O desenlace natural de um triângulo é a morte e como você resolve? Sempre com a morte de um ou dois vértices. E a gente tentou partir de uma perspectiva completamente diferente, vendo o triângulo como possibilidade. A pergunta que se fazia, o Karim e eu, logo no início era por que não? Por que três pessoas não podem se amar, não podem viver juntas. Eu construí como um triângulo equilátero. Deco ama Naldinho que ama Karinna que ama Deco. Todos os três se amam da mesma maneira e sendo assim a palavra traição é impossível. Fala mais de possibilidade, do que de impossibilidade.
Bitsmag– Como você chegou ao elenco?
Sérgio Machado – Primeiro eu pensei em fazer um triângulo amoroso só com atores negros. O Lázaro foi minha escolha desde o início. Eu sabia que queria trabalhar com ele e a gente faz essas leituras coletivas do roteiro, a gente sempre trabalha com elas e numa dessas leituras de mesa eu chamei o Wagner. Não pensando nele para atuar, mas como amigo, para opinar sobre o roteiro. E no sorteio ele caiu com o personagem e se saiu muito bem. Eu fiquei com a pulga atrás da orelha. Eu já tinha trabalhado com ele em Abril Despedaçado e sabia que ele era muito bom. Como eu tinha a idéia dos atores negros, eu meio que abandonei essa idéia de fazer com o Wagner. A sorte que me empurrou nessa direção dele é que umas duas semanas depois da leitura, foi aniversário do Lázaro e ele lá pelas tantas fez uma declaração de amor para o Wagner, os dois são melhores amigos um do outro. Eu fiquei pensando de fato sobre fazer um filme sobre dois personagens baianos que são melhores amigos, com dois atores que são melhores amigos e dois dos melhores de sua geração. Que tinham o mesmo carisma, seria bom, porque seria muito ruim para o filme que o público torcesse mais para que a Karinna terminasse com um ou com outro. A idéia era que as pessoas torcessem pelos três juntos.
Bitsmag– E a escolha da Alice?
Sérgio Machado – Foi bem depois, eu já tinha testado mais de mil pessoas, especialmente na Bahia. E não conseguíamos ninguém, então a gente resolveu apostar na Alice, que já tinha trabalhado com ela e de quem o Walter Salles já tinha falado. Então resolvemos testar e ela veio com muita coragem e menos bagagem que o Wagner e o Lázaro, mas foi bem acolhida pelos dois, como acontece no filme.
Bitsmag– Como foi a opção pela fotografia?
Sérgio Machado – Foi um encontro com a obra do Mário Prado Neto que junto com a obra do Sebastião Salgado é um dos maiores fotógrafos. E tinha um livro específico, Laroye, que tem a cor e textura que eu achava que meu filme deveria ter. E teve uma coincidência muito legal que quando eu encontrei o Toca (diretor de fotografia) ele era um grande conhecedor do Mário Prado e do livro dele. Enfim, casou tudo.
Bitsmag– A preparação dos atores foi de grande importância?
Sérgio Machado – Sim, eu achei importante investir na preparação, porque o filme não é como eu gostaria que fosse mas como ele é. O filme é um apanhado de tudo que eu ouvi, que eu vi lá. Antes de começar a filmar eu fiquei vários meses vivendo esse universo da cidade baixa. Eu ia todas as noites para as casas de strip-tease, conversava com as prostitutas, com os malandros.
Bitsmag– Como foi a participação em Cannes?
Sérgio Machado – O filme foi inscrito na última hora, no final do prazo. Desde que começou tudo foi acontecendo rapidamente. Depois da exibição começaram a aparecer os interessados. A acolhida foi maravilhosa, saiu com prêmio, as sessões sempre cheias. Tivemos que fazer sessões extras e saiu de lá vendido para os principais mercados e também para os paralelos, como Cingapura e Luxemburgo. A recepção foi maravilhosa, as pessoas nos procuravam, lembro que a Alice chorava muito, emocionada.