Maior nome da arte da performance, artista sérvia está no Rio para o lançamento do making-off de The Artist Is Present
Convidada de honra do Festival do Rio 2012, a artista performática Marina Abramovic recebeu a imprensa na sede do festival na última quinta. A minha apreensão foi grande, afinal como deixar de lado minha pessoal admiração por esta mulher, uma das mais importantes artistas do mundo na segunda metade do século 20, responsável por tornar compreensível e até popular a performance, a nova e hermética forma de arte que surgiu no início do século 20 e só começou a ser realmente difundida a partir dos anos 70, época de auge da arte conceitual?
Marina veio ao Brasil para lançar o documentário Marina Abramovic – Artista Presente de Matthew Akers, um making-off da retrospectiva da artista que aconteceu no MoMA de N.York em 2010 e foi provavelmente a mostra mais polêmica do museu em toda sua história. Está em cartaz no Festival do Rio também Vida e Morte de Marina Abramovic Segundo Bob Wilson, de Giada Colagrande, outro making off, este da ópera de mesmo nome que conta a história da artista com música de Antony Hegarty e com encenação de outro nome célebre da arte experimental e de vanguarda, Bob Wilson.
Mais conhecida pelo trabalho fotográfico e de vídeo que documenta suas performances, Marina Abramovic não pode totalmente ser entendida sem que se conheça seu trabalho ao vivo. A retrospectiva do MoMA teve a incumbência de levar ao público récorde de 750 mil pessoas, que visitaram a mostra de 14 de março a 31 de maio de 2010, 50 trabalhos incluindo fotos, vídeos, instalações e suas principais performances re-encenadas por novos artistas. Além da retrospectiva a mostra apresentou seu mais novo trabalho ao vivo, The Artist Is Present, que marcou a mais longa duração de uma performance em sua carreira. Durante as horas em que o museu estava aberto Marina Abramovic ficou sentada em uma cadeira e o público pode sentar em frente a ela. Foram mais de 700 horas à disposição do público.
Desde o movimento Futurista do início do século 20, em forma de manifestos ou “happenings”, a performance vem trazendo ao público as indagações do processo artístico, os questionamentos éticos da arte e sua relação com a cultura.
Movimentos artísticos como o citado Futurismo, o Construtivismo, o Cubismo, o Dadaísmo, o Surrealismo ou a Arte Conceitual foram pontuados por ações de performance que anunciavam o surgimento desses movimentos ou seu enterro, quando ficavam esvaziados pelo sistema capitalista que transforma a arte em comércio. A performance é a maneira de manifestar o descontentamento e buscar o restabelecimento do aspecto mais visceral, radical e experimental do processo criativo e a valorização do processo versus o produto. A partir dos anos 70 a performance passou de manifesto a forma de arte por si própria e se ramificou em expressões não só performáticas como também de dança e teatro experimental.
Nos dias de hoje, quando a arte é mais valorizada do que nunca como objeto de investimento e lucro de capital, o trabalho conceitual de Marina Abramovic é visto com especial reverência e respeito e por isso ela vem sendo cultuada no mundo todo, principalmente depois da restrospectiva do MoMA que ecoou por toda mídia mundial.
Marina Abramovic nos recebeu como se estivesse em casa. Eu e mais 4 jornalistas de diversos veículos do país sentamos muito próximos a ela numa sala onde a artista nos mostrou não só através de suas histórias, mas também através de sua atitude, de que se trata sua experiência como artista performática, além de nos encantar com seu especial carisma e poder de persuasão. O que deveria ser uma entrevista acabou virando um encontro informal onde, evidentemente, ela não respondeu a nenhuma pergunta e só falou o que quis. Dessa forma, completamente conduzidos e seduzidos, ouvimos de Marina Abramovic um pouco sobre suas andanças pelo Brasil, que não foram poucas, e seus próximos projetos.
Ela nos contou que já esteve por aqui mais de 15 vezes e em lugares onde provavelmente nenhum de nós estivemos, como Serra Pelada e Marabá. Em Serra Pelada ela esteve em 1989 para fazer pesquisa para o projeto How to Die? que acabou não acontecendo, mas que ela ainda pretende realizar. A ideia desse trabalho, que ela primeiro não queria contar mas acabou contando, é fazer um vídeo com diversas cenas reais de morte, contrapostas com cenas de morte encenadas em trechos de ópera. Nos fez rir muito quando contou que viajou para Serra Pelada de avião de carga, ao lado de um burro dopado e ao chegar lá se hospedou num hotel chamado Cachorro, que era tão ruim que nem os cachorros queriam se hospedar ali…
Uma nômade, a artista contou que não se sente em casa em lugar nenhum mas ao mesmo tempo se sente à vontade em todos os cantos do mundo. Ao Brasil deste vez ela chegou vinda diretamente de Montenegro, país onde nasceu sua mãe e que fez parte da antiga Iugoslávia, onde Marina Abramovic nasceu em 1946 e viveu até meados dos anos 70.
Este ano a artista, que é considerada a madrinha da arte da performance, volta ao Brasil em dezembro para uma viagem de dois meses de pesquisa para o projeto que vai realizar para a Copa de 2014 na Cidade da Música, no Rio de Janeiro. Para isso ela vai escolher artistas brasileiros para encenar performances segundo o Método Marina Abramovic.
Ela pretende ir à mística cidade de Alto Paraíso, no interior de Goiás e também a Curitiba, onde ela vai encontrar um shamã que ela já conhece e que fez um estudo sobre sua personalidade e concluiu que ela tem “DNA galáctico”.
O “caráter alienígena” de Marina Abramovic também foi ressaltado pelo escritor de ficção científica Kim Stanley Robinson em seu novo livro, 2312. O autor esteve com a artista e contou que se inspirou nela para um dos personagens do livro, uma mulher que faz performances em asteróides e no planeta Mercúrio no ano de 2312.
Quando um dos nós conseguiu perguntar se ela tem algum arrependimento, Marina Abramovic disse que sente por não ter tempo suficiente para realizar todos seus projetos. A artista de 65 anos hoje não brinca mais com a morte como quando tinha 34 e era “louca”, segundo ela própria se definiu. Em 1974 em Nápoles ela fez a performance Rhythm 0 onde permaneceu nua numa galeria ao lado de uma mesa com vários objetos à disposição do público. Durante 6 horas as pessoas presentes podiam fazer dela o que bem entendessem, escolhendo instrumentos de dor ou prazer, o que incluia uma arma carregada. Um homem apontou essa arma na cabeça de Marina Abramovic e isso causou uma briga entre os que estavam presentes. Foi ali que ela viu, e mostrou, do que é capaz o ser humano.
E qual seria a nova fronteira da performance para o maior nome do mundo dessa forma de arte? Marina Abramovic acredita que sejam as experimentações com o som e também tudo que possa surgir de dois dos centros que estão sendo construídos em seu nome para o estudo, pesquisa e desenvolvimento da arte performática.
O Marina Abramovic Community Center Obod Centinje (MACCOC) está sendo construído numa fábrica desativada de refrigeradores em Montenegro e vai sediar espaço para criação artística não só de performance e teatro mas também de cinema. Para tal Marina pretende chamar figuras que trabalham com a renovação da linguagem cinematográfica, como David Lynch, Abel Ferrara e o jovem ator James Franco.
Já nos Estados Unidos, no norte do estado de N.York, na cidade de Hudson, Marina está montando o The Marina Abramovic Institute, uma verdadeira escola de performance para trabalhos com longa duração, peças de no mínimo seis horas.
Depois que a assessora de imprensa do festival já havia pedido para terminar a entrevista mais de uma vez, ela própria quis que tirássemos fotos com ela e o momento tietagem ocorreu explícito, não sem que ela nos conduzisse novamente. Marina Abramovic nos posicionou para a foto e pegou nossos contatos. Eu prometi que me encontrarei com ela em Alto Paraíso para levá-la ao “disco-porto” onde supostamente pousam OVNIs. Ela adorou…