Documentário sobre Wilson Simonal mostra sordidez da elite engajada no Brasil nos anos 70
É imperdível o documentário Simonal – Ninguém Sabe O Duro Que Dei, de Claudio Manoel, Micael Langer e Calvito Leal. Atualmente em exibição nos cinemas brasileiros o filme conta a trajetória de sucesso e a triste derrocada de um dos maiores ícones da Música Popular Brasileira.
O filme mostra, com a ajuda de imagens antológicas, como a máquina de difamação da esquerda brasileira dos anos 70 acabou com a carreira do astro negro, que cantava para multidões e foi escolhido para acompanhar a seleção brasileira de futebol no México, em 1970.
Simonal, carioca nascido em 1939 e filho de uma empregada doméstica, chegou ao estrelato com muita ginga, suingue e um jeito de Sammy Davis Jr. brasileiro que ele incorporou muito bem, inclusive na apresentação ao lado de Sarah Vaughan, cantando The Shadow Of Your Smile e literalmente enfeitiçando a diva do jazz norte-americano.
Da mesma forma como Sammy Davis Jr. nos Estados Unidos, Simonal era considerado um negro “com alma de branco”, aceito parcialmente pela elite racista, odiado por muitos de seus semelhantes e cujo sucesso nunca foi legitimado pela elite de esquerda da época que, se por um lado tentava tirar o país do humilhante título de ditadura, por outro se mostrava tão racista quanto a elite do poder. O cantor, que esbanjava carisma e sucesso, irritava por sua postura alienada nos anos de chumbo e seus rituais de ostentação com carros de luxo e noitadas com loiras fenomenais. Todo esse glamour protagonizado por um negro era demais para a mentalidade brasileira na época.
Um entrevero com seu contador, que teria desviado dinheiro, foi o estopim do mal entendido que só se desfez anos após sua morte, na virada do século. Simonal foi acusado de ser um informante do DOPS, o Departamento de Ordem Política e Social, órgão do governo na época da ditadura militar que controlava e reprimia (leia-se torturava e matava) aqueles que se colocavam contra o regime. Alguns dos seguranças de Simonal, que receberam ordem sua de dar uma surra no tal contador supostamente ladrão, realmente pertenciam ao DOPS, o que causou a suspeita de que o cantor fazia o jogo dos torturadores e da censura no Brasil.
Na linha de frente do ataque contra Simonal estava o jornal esquerdista Pasquim que aproveitou a deixa para rotular o cantor de garoto propaganda da ditadura. Fato é que depois da confusão com o contador e sem dinheiro, Simonal nunca mais conseguiu limpar seu nome e virou um tabu, uma verdadeira praga com quem ninguém queria se envolver. Seus discos saíram de catálogo nas gravadoras que o representavam, ele era vaiado em shows e ninguém queria mais contratá-lo na TV. Se Simonal era um informante do DOPS ninguém conseguiu provar mas sua carreira nunca mais decolou.
O maior trunfo de Simonal – Ninguém Sabe O Duro Que Dei é o jornalismo investigativo. O filme mostra entrevistas com praticamente todos os envolvidos, desde a família do cantor, seus filhos Max de Castro e Simoninha e sua esposa Sandra, até seus piores algozes, Ziraldo e Jaguar, do Pasquim, passando pelo próprio contador torturado e por amigos como Nelson Motta, Chico Anysio e Boni, que foi o todo poderoso da TV Globo nos anos da ditadura.
Conversa vai, conversa vem, no filme todo mundo confirma que nunca houve prova de que Simonal tivesse sido um dedo-duro do DOPS, mas ninguém diz porque na época todo mundo se calou e ficou observando inerte o ocaso do artista.
Simonal – Ninguém Sabe O Duro Que Dei é não só o necessário relato histórico da vida de uma das maiores estrelas da MPB, como também mostra um obscuro capítulo da história brasileira: a limitada mentalidade daqueles que comandavam a mídia no Brasil nos anos 70 e 80.
Veja dois promos do documentário Simonal – Ninguém Sabe O Duro Que Dei:
Trailer:
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Promo:
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