Bitsmag conversa com advogada especialista em direito digital sobre a extorsão sofrida pela atriz
Bitsmag conversa com advogada especialista em direito digital sobre a extorsão sofrida pela atriz
A internet ainda pode ser considerada uma terra de ninguém? Não é bem assim. No Brasil, mesmo com uma legislação defasada em relação à revolução digital, uma jurisprudência vem sendo construída dando subsídios para que mais e mais se procure justiça em casos de violação de direitos no mundo virtual.
O caso que deve render ainda muitas discussões e vai com certeza se firmar como um divisor de águas no campo da defesa de direitos no ambiente digital é o crime de extorsão que sofreu a atriz Carolina Dieckmann esta semana. Carolina teve fotos íntimas roubadas de seu computador, provavelmente por algum funcionário de uma empresa onde seu laptop foi enviado para conserto, e durante semanas foi chantageada por uma pessoa que exigia 10 mil reais para não publicar essas imagens onde ela aprece nua ou em companhia de seu marido e seu filho menor de idade.
Após uma tentativa frustrada de forjar um flagrante as fotos foram publicadas num site hospedado em Londres e, como se podia esperar, estão sendo compartilhadas em incontáveis sites, blogs e perfis de redes sociais no Brasil e em outras partes do mundo.
O Bitsmag conversou com a advogada Gisele Arantes, especialista em Direito Digital e sócia do escritório de advocacia PPP Advogados. A doutora comentou como anda no Brasil a defesa da privacidade na internet, os percalços da legislação e como os tribunais do país estão aplicando nosso código de leis que ainda não prevê os crimes no mundo virtual.
Bitsmag – Como vai ser feito o rastreamento do chantagista que publicou fotos íntimas de Carolina Dieckman?
Dra. Gisele Arantes – A identificação do responsável pode ser possibilitada tanto pela perícia no equipamento, que apontará quando e como os dados foram extraídos da máquina (se por invasão, cópia ou envio por e-mail, p.e.) quanto por quebra de sigilo dos registros eletrônicos do autor dos e-mails junto aos provedores. Isso porque, se a perícia apontar para a cópia na época em que o equipamento estava na manutenção, então já teremos um bom indício de autoria. Caso contrário, o provedor do e-mail (hotmail, gmail, ig, uol, yahoo, etc), poderá ser compelido, mediante ordem judicial, a fornecer os registros eletrônicos que possibilitarão a identificação. Outra hipótese, é a de que o provedor Imageam (onde as fotos foram publicadas inicialmente), localizado em Londres, forneça os registros eletrônicos (IP, data e horário do upload das fotos) para que se inicie a investigação necessária, mas esta hipótese é remota, tendo em vista que o referido provedor não está obrigado às leis brasileiras e eventual ordem que alcance aquele provedor (obtida no exterior ou via carta rogatória daqui do Brasil) poderia demorar muito tempo e custar muito caro.
Bitsmag – O servidor onde foram publicadas as fotos de Carolina Dieckman fica fora do Brasil, como se pode obrigar os responsáveis desta empresa a revelar a identidade do chantagista e como essa informação, vinda de fora do país, pode ser usada num processo aqui?
Dra. Gisele Arantes – Como dito acima, é possível obter uma ordem judicial no local da sede do provedor (Londres), através de ação movida diretamente lá ou então através de ação aqui no Brasil, requerendo a expedição de carta rogatória àquele provedor. Neste último caso é o STF (Superior Tribunal Federal) quem defere a expedição da ordem. No entanto estas hipóteses custariam tempo e dinheiro.
Bitsmag – Que tipo de lei está faltando no nosso Código Penal para que se possa agir contra os crimes da internet?
Dra. Gisele Arantes – O Código Penal atual não prevê, explicitamente, hipóteses de crimes digitais, forçando os operadores do Direito a aplicarem, muitas vezes, a lei por analogia.
Bitsmag – E no código atual, o que se pode fazer no caso da Carolina Dieckman?
Dra. Gisele Arantes – No caso da Carolina Dieckmann é muito clara a prática da extorsão, prevista no artigo 158 do Código Penal (Art. 158 – Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa: Pena – reclusão, de quatro a dez anos, e multa.) Sendo assim, é possível a devida apuração deste crime na esfera criminal (Justiça Criminal). Além disso, pode-se ingressar com medida cível (Justiça Cível) para responsabilização do autor na forma de indenização/reparação pelos danos causados.
Bitsmag – Além da exposição indevida de suas fotos e de sua intimidade, o que Carolina Dieckmann pode fazer contra as calúnias e injúrias que podem estar sendo postadas na contra ela em blogs e em redes sociais?
Dra. Gisele Arantes – Primeiramente, providenciar a remoção dos comentários, junto aos provedores. Após, dependendo do tipo de comentário eventualmente postado, ela pode acionar as pessoas por calúnia, injúria ou difamação, na esfera criminal (estas três ofensas são crime, previstos nos artigos 138, 139 e 140 do Código Penal). Além disso, pode acioná-las também por danos morais, na esfera Cível. Tudo depende do tipo de comentário e do seu reflexo. Se os comentários são feitos por pessoas desconhecidas, é possível pedir a identificação dessas pessoas aos provedores.
Vale lembrar que os crimes de calúnia, injúria e difamação estão muito bem delineados na lei, não bastando simples comentários para configurá-los, vejamos:
Calúnia Art. 138 – Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa. § 1º – Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propaga ou divulga. § 2º – É punível a calúnia contra os mortos.
Difamação Art. 139 – Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação: Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.
Injúria
Art. 140 – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.
§ 1º – O juiz pode deixar de aplicar a pena:
I – quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria;
II – no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria.
§ 2º – Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes:
Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.
§ 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:
Pena – reclusão de um a três anos e multa.
Bitsmag – Como criar leis para regular o uso da internet sem atentar contra a liberdade de expressão?
Dra. Gisele Arantes – Deve-se partir do princípio de que todo abuso é reprovável. Portanto, o mínimo de bom senso, tanto por parte dos usuários quanto dos legisladores, certamente limitará o uso indiscriminado da Internet sem criar conflitos com a liberdade de expressão.