(Entrevista realizada em 25/02/2005)
Forró de alta potência e literatura de cordel. Essa combinação deu numa das melhores coisas da música popular brasileira hoje. É o Cordel do Fogo Encantado, que já é cultuado principalmente pela camada universitária brasileira e até mesmo na comunidade fashion. O DJ Eduardo Corelli, um dos melhores produtores de trilhas de desfiles do país, deu o start no último desfile da Cavalera, em janeiro na SP Fashion Week, com uma música do grupo. E pra comemorar este fim de semana vem uma caravana de pessoas de S.Paulo, todos ligados à Cavalera, pra curtir o show do Cordel, na Lapa. Eles começaram como um grupo teatral de poesia de cordel em Arcoverde, interior do Pernambuco. Em pouco tempo seus espetáculos belíssimos e sua sonoridade poderosa lhes valeu um convite para o festival pernambucano Rec Beat, durante o carnaval recifense de 1999. Daí foi um salto e o que era um espetáculo teatral virou uma banda reconhecida em todo o Brasil e mesmo no exterior. Em janeiro o Cordel do Fogo Encantado, grupo formado por Lira Paes (Lirinha – voz) Clayton Barros (violão) e o roqueiro Emerson Calado, além dos percussionistas Nego Henrique e Rafa Almeida, se apresentaram no Midem – a maior feira de gravadoras independentes do mundo, ao lado de Seu Jorge e do violonista Hamilton de Holanda. Não foi a primeira vez do Cordel na Europa: em 2001 eles fizeram uma turnê por várias cidades do velho continente, incluindo Berlim e Paris.
Este fim de semana o Cordel do Fogo Encantado se apresenta no Rio, no Circo Voador, com grande expectativa e em dois shows, na sexta e no sábado. O Bits conversou com Clayton Barros, violonista, que nos conta um pouco da história da banda e do seu flerte com a modernidade e a experimentação.
Bitsmag – Como surgiu o Cordel do Fogo Encantado?
Clayton Barros – Surgiu em Arcoverde em 1997. Era um espetáculo de teatro com poesias. A gente utilizava muito menos música que hoje, a música era apenas de complemento. A cada apresentação a gente ia vendo que a música merecia um crescimento no espetáculo. Em 1999 a gente estreou no festival pernambucano RecBeat um espetáculo com um misto de música e poesia, estes dois ícones. Eles já estavam bem balanceados no nosso trabalho.
Bitsmag – Porque vocês resolveram se apresentar como banda?
Clayton Barros – Foi um convite do diretor do festival Rec Beat. A gente tinha idéia de se apresentar em teatros. Por isso mesmo a gente ainda chama o show de “espetáculo”. Mas hoje a gente tá com mais foco no caráter de banda do que anteriormente. Foi uma descoberta nossa. A gente quis participar do Rec Beat, foi um desafio encarar o público de rua no carnaval, com nossos textos e poesias e o tipo de música que a gente estava fazendo.
Bitsmag – Mas vocês já eram músicos, você é violonista…
Clayton Barros – Eu era o único músico que tinha um pouco de experiência. Já tocava na noite, já fazia música ao vivo. Os meninos não, o Emerson foi construindo a musicalidade dele junto com a nossa. Ele já tinha tocado com uma banda de rock em Arcoverde. E Nego e Rafa nasceram no Morro da Conceição, se criaram lá e a avó deles tem um terreiro de condomblé. Ou seja, eles eram músicos do candomblé, são ogans, formados e batizados no terreiro. Eles prestam serviço para a avó deles que é Yalorixá. Quer dizer: só eu que trabalhava com música e ganhava dinheiro com isso. Tanto que a banda é percussão, violão e voz, não tem um outro instrumento harmônico a não ser o meu. Então quando recebemos o convite para o Rec Beat a gente pensou: “Será que é isso que a gente quer? Será que vai dar certo? Enfim, vamos encarar o desafio”. A gente adaptou o espetáculo que era extremamente teatral pra tocar com ele na rua. Diminuimos as poesias, demos uma enxugada, mas sem perder a força da palavra. Eu costumo dizer que o nosso alicerce é música, poesia e teatro. Através dessas três coisas a gente elabora a idéia do laboratório Cordel do Fogo Encantado.
Bitsmag – Enquanto a maioria das bandas tem a ajuda da tecnologia, seja nos instrumentos ou nos computadores, o Cordel faz um trabalho totalmente acústico, com predominância da percussão e somente um violão.
Clayton Barros – Mas isso não quer dizer que a gente não recorra à tecnologia, até porque meu violão é elétrico, tem um circuito ativo. Hoje a gente usa samplers pra disparar vinhetas que antes eram utilizadas em fita cassette. A gente só trocou de mídia. Hoje não executamos música sintética. A gente utiliza toda parafernália eletrônica pra transmitir a nossa mensagem acústica. Mas eu também já estou usando sintetizadores, algumas coisas assim. A gente vem flertando um pouco com isso, sem receios, até porque quando a gente mexe em algo do tipo a gente já tá conhecendo, a gente já tem o domínio.
As nossas vinhetas de fundo têm sons variados como sons de trovão, percussão de Naná Vasconcelos, coisas que a gente já tinha na cabeça na época do teatro. Muita gente confunde uso de samplers com música eletrônica. A gente não está usando batidas pré gravadas, mas já usamos algumas batidas sintéticas. Não muda o som da gente, só dá uma segurança na hora do show, na hora de usar as vinhetas e os efeitos.
Bitsmag – O que vocês estão preparando para o show do Circo?
Clayton Barros – Vamos nos apresentar dois dias no Circo, onde tivemos récorde de público em 2004 quando tocamos junto com a banda Mombojó. O espetáculo novo chama-se Trajetória da Terra que é o subtítulo da música O Palhaço do Circo Sem Futuro. Estamos com seis músicas novas: quatro canções e duas instrumentais, que é um groove da percussão e uma música instrumental minha. As canções ainda não têm nome, a gente ainda não batizou.
Nós lançamos uma música nova, Morte e Vida Stanley e ela já tem bastante elementos de tecnologia como característica. A faixa já está na mão de alguns DJs para remixarem: DJ Dolores, o pessoal do Instituto, o Miranda, e o Huguinho Dub. Este ano a gente vai lançar esse trabalho colocando na internet e em algumas radios.