Coluna Bafo: Marcos Morcerf
(Entrevista publicada em 12/12/2004)
A coluna Bafo SP desta semana entrevista Marcos Morcerf. Alagoano residente em São Paulo, Marcão como é conhecido, é formado em arquitetura e no início da cena club paulistana trabalhava com moda alternativa (Fora de Moda e Universo em Desfile). Desde 1997 optou por trabalhar com música sua grande paixão. Seus sets são sofisticados e cheios de cultural musical, fruto de muita pesquisa. Atualmente é residente da noite Freak Chic, no D-Edge de São Paulo, e estará se apresentando no próximo sabado, dia 18 de dezembro na festa Bit Sessions da Fosfobox, que marca o lançamento da coletânea do Bitsmag que, por sua vez, contém a faixa Resmungo, produção de Marcão. No mesmo dia, à meia-noite, ele faz participação especial no programa Eletropan na Joven Pan carioca. Com vocês Marcos Morcerf!
Bafo SP: Algumas pessoas se ressentem quando seu DJ favorito se atualiza e muda o som. Até mesmo os outros DJs se ressentem, por ciúme ou mesmo porque se dão conta de que terão de comprar novos discos… O resultado é critcar e tachar o DJ que se arrisca, na verdade porque não entendem nada de som… Para quem não sabe, o que você está tocando atualmente, por favor (risos)?
Marcos Morcerf: O fato é que meu som está com outra cara pois a música eletrônica esta sempre evoluindo, fazendo novas fusões, sofrendo novas influências e referências. Sempre fiz um set diversificado. No início da carreira, ajudei a difundir o Techouse inglês nos meus projetos Jack! , Farra! e Fucked! (estes 2 juntos com o Pareto) e na minha residência Locurama na Lôca. Misturava com Breakbeats, Disco, Deep House, House da Costa Oeste americana, etc…. Quando alguns desses estilos estavam ficando muito repetitivos e sem apresentar inovações, o Funk House, Hip House ,os Bootlegs e a House de Chicago, que não eram novos, passaram a ter mais destaque nos meus sets. Agora , vejo um momento em que muitas produções da chamada Freak House começam a ficar repetitivas também. Por outro lado, na cena eletrônica mundial há um desgaste da cena nos clubes maiores e na cena mainstream, com muita música de bombação e pouca qualidade… e a América Latina cumpre o seu papel de servir de mercado importador retardatário dessa linhas já decadentes. A juventude não vê a musica eletrônica como algo inovador, volta-se para o novo rock e rock eletrônico.
Parte do publico antigo envelhece e não sai mais para dançar. As batidas 4×4 começam a mostrar cansaço. Num primeiro momento o novo electro reaparece com força, mas com produções ainda de fraca qualidade. Já há algum tempo venho introduzindo rock e house com guitarras nos meus sets. Finalmente os bons produtores vindos da cena house absorvem essas novas influências e desejo das pistas e começam a surgir boas produções de ElectroHouse, New Wave House. Os anos 80 e 90 têm forte influência com seus timbres nas novas produções, a Acid House é revisitada. O foco produtor da cena desloca-se novamente da América do Norte para a Europa. Agora é a vez da Alemanha e da França. Na cena gay, onde toda a inovação clubber começou, os estilos mais decadentes do Tribal, Hard House, Drag-Music (o famigerado bate-cabelo), e Progressive saciam um público altamente massificado em grandes festas, que não são mais focadas na música.
Ora, neste contexto é natural que promoters, alguns sites que buscam audiência a qualquer custo e alguns DJs façam a coisa somente pelo sucesso fácil, pelo hype equivocado e pelo vislumbre do lucro fácil. É a hora de refundamentar, conseguir sangue novo para a cena, dar uma nova cara. Tenho tocado ElectroHouse, Rock Eletrônico e New Wave House, um pouco de minimal e click house/techouse. Os timbres ficaram mais sintéticos, até mais agressivos, porém os BPMs baixaram consideravelmente. Hoje toco no meio da noite na Freak Chic, músicas de 125 BPMs , vou ao máximo a 129, 130 BPMs. É hora de se redescobrir uma nova forma de dançar , uma nova elegância nas pistas. Os vocais ficaram mais debochados e divertidos, há uma atitude rocker na nova cena eletrônica.
É dessa forma que me renovo aos 47 anos. Buscando sempre público novo, usando minhas referências e cultura musical na atualização do meu som e da cena que acredito. É assim que me divirto. Mudar o som é uma atitude de coragem e uma experiência excitante e rica entre o DJ e seu público que entende a evolução.
Tenho tocado mais de uma vez por mes com DJs produtores Internacionais, isto também dá uma boa idéia da cena eletronica underground internacional e tem me influenciado . A mudança de som não ocorre de uma hora para outra, vai mudando aos poucos, alguns sub-estilos vão encolhendo, outros se destacando. Então uma hora finalmente o set fica com outra cara. Claro que se você passa um longo tempo sem tocar numa cidade a mudança é bem mais perceptivel.
Quem faz esse tipo de “crítica” contra a renovação de um som deve achar que rock é coisa do passado e anos 80 e 90 já eram. No entanto as novíssimas produções estão repletas de timbres e influências destas décadas…
Bafo SP: Você está tocando desde 1997, como você avalia a cena house desde então?
Marcos Morcerf: Há tanto tipo de house e houseiro que falar numa única cena fica complicado. Mas vejo de uma forma bastante positiva, e apesar da house music ser um estilo bem antigo, tem sido um pólo que absorve ou impulsiona muito bem a evolução da música eletrônica. Cada época, nestes anos, teve seu sub-estilo houseiro forte, mas que convive com os outros, e o público acaba absorvendo por diferentes angulos o espírito da house music. Atualmente em São Paulo, onde atuo mais intensamente, tem house pra tudo que é gosto e com origens em diversos pólos produtores de house pelo mundo. Tem gente que faz profissão de fé em uma única vertente, e acaba ficando uma coisa mais conservadora. Outros se nutrem da plasticidade mutante da house para expressar suas mudanças , evoluções, multi-influências, etc… E claro, há a briga por espaço e mercado e DJ adora ficar falando um do outro (risos)…
O fato é que a cultura musical de cada artista é que vai determinar a propriedade com que ele imprime suas refêrencias e mudanças.O público tem crescido. Um exemplo é o sucesso de quase dois anos da Freak Chic, que continua sendo a noite mais forte do D-Edge de S.Paulo e num momento mundial de retração da cena de clubes. E se não há espaço em outros clubes e se quer conquistar outras parcelas para se divertir com house music, arregacem as mangas e trabalhem. Façam projetos . O que tem é muita gente rancorosa e preguiçosa, que se sentem os grandes talentos injustiçados pois gostariam de estar ocupando o espaço criado por outros, que arriscaram, batalharam e conseguiram seu lugar junto ao público.
Hoje com a diluição da segmentação de estilos, a forma como se mistura assume um maior destaque num set e imprime personalidade a noite. No meu caso, que vivi intensamente os anos 80, participei ativamente da cena alternativa de rock , e das primeiras danceterias, vivi o nascimento da cultura clubber em São Paulo. Vi a comercialização e “mainstreamização” da cena e me mantenho fiel ao underground, no qual acredito. E onde posso expressar tudo isto a não ser no meu set ? Conte agora a sua história, baby !
Bafo SP: Quais as tuas residências atualmente ?
Marcos Morcerf: Na noite semanal Freak Chic, do D-Edge paulista. A festa Jack!, após 4 anos, está dando uma hibernadinha, pois estou articulando dois novos projetos para 2005:
1. Onda Nova com o DJ Serge (Shout!) .
2. Avesso!!! com o DJ Márcio Vermelho (Nectar/Selector de Frequência).
Bafo SP: Quais os DJs e produtores que fazem a sua cabeça?
Atualmente:
Tiefschwarz (Germany) – Toquei 2 vezes na Freak Chic com o Ali Schwarz e gosto muito do som dele. As produções do Tiefschwarz são elaboradas, atuais, e gosto tanto de suas produções próprias quanto dos remixes. Eles evoluiram da House mais Deep e tradicional para o funk house e agora para um crossover de timbres sintéticos , rock e batidas quebradas de muito bom gosto e criativas.
Joakim(France)- adoro suas produções e remixes atuais. Vai do experimental a um som cheio de referencias, e tem feito um bom trabalho na construção do ElectroHouse de muita qualidade.
e mais: Ivan Smagghe (Volga Select) , Alter Ego, Mylo, Freeform Five, James Murphy & as produções do selo DFA , Trevor Jackson e seu Playgroup, Rob Mello, Chicks On Speed, DJ Ata e seu selo Playhouse, Chateau Flight, Ewan Pearson, Mandy, Rework, Tiga, Mocky, Martini Bros, Kiki, Swayzack, Manhead, os birutões do U-Freqs, SWAG, Brett Johnson, Chloe, Peaches, Blackstrobe, Dirty Crew, Captain Comatose, Phonique, Etienne de Crecy, DJ.T, Who Made Who e por aí vai. E espero que amanhã surjam um monte de outros diferentes, pois vou estar de olho neles.
Bafo SP: Fale-nos um pouco de seu novo projeto, o Onda Nova
Marcos Morcerf: Onda Nova será uma festa mensal em parceria com o DJ Serge (Shout) e convidados como Atum, Bispo, Tingod, Hisato, Manu, Marcio Vermelho, Oscar Bueno, etc… Será de ElectroHouse, New Wave House e Rock Eletrônico. Referências e timbres 80 e 90 em produções atualíssimas. A idéia é começar uma festa pequena e ir crescendo com um público de qualidade. A Rô Ornellas fará a promoção e o Jota Jota será o Hostess. O local ainda não se definiu. O nome Onda Nova é inspirado no filme paulista oitentista cult . Como a Vera Zimerman, que atua no filme, tem estado bastante nas minhas pistas, tive a idéia. Inspira-se também na New Wave e Nouvelle Vague. O carioca Serge eu conheci atraves de comunidades de música no Orkut e ele se apresentou a mim numa de minhas gigs. Ah! e eu, o Serge e a Rô somos arianos!
Outro novo projeto/festa para 2005 é o Avesso!!! com o Márcio Vermelho, que toca sempre na Freak Chic e temos tido bastante afinidades musicais nos últimos tempos. Será uma festa com um espírito rocker na House Music eletrificada. E além de ElectroHouse, New Wave House e Rock Eletrônico, rola SynthFunkHouse e Click House/Techouse. O tipo de som que temos curtido tocar atualmente e teremos convidados como Victor A., Ratier, Hubert, Pareto, etc… A promoção será da Márcia Dossin e do Manu Bertelli, com art/design de flyers do Denis Rodriguez. Avesso!!! será uma coisa “Construindo e desconstruindo: A Nova House Music”. O projeto também está em fase de definição de local.
Bafo SP: Você já esta produzindo músicas. Fale-nos deste trabalho .
Fiz somente Resmungo e Barraco em parceria com o DJ Gabo, que tem bastante experiência com produção de música. De Resmungo saiu um videoclipe dirigido pelo Duda Leite, e agora a música sai como faixa da coletânea Bits Sessions em CD . Também está disponível para download para ouvir e comprar. Veja o link aqui no Bits Sessions.
No momento não tenho pensado muito em produzir sozinho, mas se surgir uma boa parceiria tipo easy going… Me dedico mais à pesquisa musical, à Freak Chic, e aos novos projetos. Ainda sou viciado mesmo em comprar vinyl, passo noites pesquisando na internet. Adoro mesmo é tocar.
Bafo SP: Você gosta de tocar no Rio de Janeiro?
Marcos Morcerf: Nos últimos 12 meses o Rio de Janeiro foi a cidade brasileira que mais toquei depois de São Paulo. Fiz importantes festas e eventos como o Skol Rio, a festa da Forum no parque Lage, a festa da Triton no Skylounge, participei do Ponte Aérea no 00, a X-Demente na Fundição Progresso, a primeira Delírio com o John Acquaviva no Mourisco e dia 18 toco no Eletropan, programa de rádio com o Leo Janeiro na Jovem Pan-RJ e em seguida na festa Bits Sessions no Fosfobox junto com os DJs Magal, Ziggy e Renato Bastos. É o lançamento da coletânea Bits Sessions no Rio. A expectativa desta festa para mim é grande pois o Fosfobox é sem dúvida um dos pontos de difusão das tendências musicais mais atuais da cena eletrônica na cidade. Quando toco no Rio faço o mesmo tipo de som que toco na Freak Chic em São Paulo. Não existe um “som para São Paulo” e um “som para o Rio”, existe o DJ Marcos Morcerf.
Este ano ainda viajei bastante pelo Brasil: 2 gigs em Porto de Galinhas, 2 gigs em Salvador, Ribeirão Preto-SP , 4 gigs em Campo Gande-MS , Curitiba, Londrina e 4 gigs em Brasília, das quais duas em uma festa ótima, a Vir(h)ou(s)e , da Ana Areias e equipe.
Bafo SP: Na sua opinião quem são os novos talentos que estao tocando ?
Marcos Morcerf: Gosto dos DJs que são residentes comigo nos projetos que faço . E procuro convidar DJs que realmente se comprometem e pesquisam o som que tocam, e que não fazem um tipo de som diferente para cada festa/promoter. Tipo, toca progressive numa, techouse ingles na outra, aderiu tardiamente ao freak house…Xô ! Já dei força pra muita gente que me arrependi. Hoje estou bem mais seletivo.
Bafo SP: E a carreira internacional ? Onde você já se apresentou? Quais seus planos ?
Marcos Morcerf: Até agora toquei somente em Buenos Aires-Argentina, na festa Club 69 no Niceto Club. A noite era um Cabaret Freak para umas 1200 pessoas. Foi ótimo. Eles tinham me visto tocar na Freak Chic. Porem meu desejo de tocar fora do Brasil é também atingir um público certo lá fora. Tocar em lugar onde o público não vai ter sintonia com o meu trabalho é bobagem. Melhor viajar fazendo turismo que carregando case à toa… Não tenho ansiedade quanto a isto, quero fazer a coisa que acho certa, fazer o meu som. Confio no meu bom gosto, sem falsa modéstia.
Bafo SP: Chart?
Marcos Morcerf: Joakim X Lionel Hampton – Vibramatic! – CRIPPLED
Chateau Flight e Bertrand Burgalat – Joakim Remix – Les Antipode – VERSATILE
Turntablerocker (Tiefschwarz Remix) – Rings – FOUR
Ricky Montanari + Pepe – Electric Boy – OCEAN DARK
Mu (by Maurice Fulton) – Paris Hilton – OUTPUT
Bafo SP: Quais os pontos fracos e os pontos altos da cena atual ?
Marcos Morcerf: ponto altos:
a diluição da segmentação de estilos ; a diversificação de noites e projetos; a confiança nos projetos no underground como reagrupador e regenerador da cena; festas com música para se divertir e surpreender com qualidade; noites como a Feak Chic no D-Edge SP; DJs que arriscam; espaço para experimentalismo nos festivais.
pontos baixos:
público equivocado: “acelera DJ”; o conservadorismo musical de muita gente jovem que se acha underground; promoters e donos de clube equivocados ou que não pensam na música; gente que sai na noite em busca de qualquer coisa, menos música; a lobbaiada (que se coloca na cena na base da política); “colocação” sem noção; DJs que só vão atras do que já foi implantado por outros; Hype Hunters .
Bafo SP: Quais as festas inesqueciveis onde se apresentou?
Marcos Morcerf: Palco do Skol Beats em 2003 e 2002; muitas noites nas minhas residências e projetos; a primeira apresentação no Exterior no Niceto na Argentina; a Vir(h)ou(s)e em Brasília; o set depois da primeira apresentação do Ali Schwarz na Freak Chic; um set de 11 horas ininterruptas num Skol Spirit numa praia belíssima em Salvador…
Festa boa é aquela que você sai feliz da cabine e se sente alimentado para a vida. Esse é o vício de ser DJ.