POP Blood


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POP Blood: Vampiros das pistas cariocas assassinam a música pop

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Vampiros das pistas assassinam a música pop em festas estranhas com gente esquisita

O oportunismo impera na noite carioca. Alguns poucos produtores de clubes e festas no Rio persistem e remam contra a corrente numa época em que reina o mau gosto e a falta de informação. O público que hoje frequenta a noite no Rio não tem referência musical e está perdido pela falta de canais e filtros que possam orientar sobre nova música ou história do pop e do eletrônico. A falta de orientação faz com que as pessoas acabem optando pelo fácil e pelo óbvio: o “pop” mais bagaceira que existe e durante décadas foi rechaçado por ser trilha redundante nas rádios FM mais comerciais do país.

No momento são dezenas de festas “pop” como Calzone, I Love POP, Bailinho e Bootie que têm como maior preocupação vender ingresso. Os eventos enchem, ficam apinhados de gente que se movimenta de forma estranha ao som do pior do que eles chamam de “pop”. Na esteira de eventos bizarros (que já renderam muito dinheiro para seus produtores) como a Trash 80’s e a Ploc, festas que existem com o propósito do humor e da revisitação dos anos 80, as festinhas “pop” cariocas são a maior tradução da ignorância e da falta de gosto musical. Nas picapes dos “não DJs” que se apresentam nesses eventos, estilo musical é coisa que não existe, seja estilo no sentido de classificação de gênero, seja estilo no sentido de elegância.

Os sets dos tais “não DJs”, amadores que não têm nenhuma familiaridade com informação de música ou com o manejo de um mixer, dão dor nos ouvidos com coisas como Lady Gaga misturada com AC-DC, Elba Ramalho e a faixa que está tocando na atual novela das 8. No meio disso um “eletrônico” de David Guetta. E tem mais: não sei se há alguma competição para ver qual “não DJ” coloca mais músicas num set, eles aceleram o bpm das músicas, a maioria com vocais, de forma que as vozes ficam parecendo de passarinho em desenho animado. Nada mais “pop” que o Pato Donald…

Não fosse sofrimento bastante essa confusão sonora travestida de “ecletismo musical”, não é só a seleção dos “não DJs” que atormenta ouvidos um pouco mais exigentes. A técnica, ou falta dela, é a cereja no topo do bolo deste momento infeliz nas pistas cariocas, onde o barulho inaudível que é proporcionado ao público por esses verdadeiros assassinos da música pop, se junta à total falta de critério na proposta das festas.

Os eventos podem acontecer em qualquer lugar, com qualquer ambientação, qualquer público e qualquer “não DJ”. Como já disse, o que interessa é ganhar dinheiro com o ingresso e que se dane a nova música, ou a velha boa música. Que se dane também as instalações da casa noturna ou espaço escolhido, a qualidade da aparelhagem de som e qualquer outro ítem crucial na produção de um evento.  E os donos de casas noturnas que outrora recebiam grandes DJs, hoje investem pesado nesses eventos e torcem o nariz com descrença para ofertas de DJs internacionais ou mesmo os top brasileiros.

O mais triste nesses eventos não é encontrar a moçadinha de 20 anos que está começando a sair agora. Tem muito indivíduo totalmente tatuado, cheio de piercing, que se jogou muito em after hours de música eletrônica como o Hell’s, em São Paulo, e se acha o “formador de opinião”. Você chega numa dessas festas e está lá a criatura pagando esse mico de proporções olímpicas, urrando na pista ao som de “pop” bagaceira. São os mesmos “formadores de opinião”, caçadores de hype, que há dez anos crucificavam um DJ por não mixar bem ou por estar tocando um “hit”. Agora esses mesmos elementos chacoalham como se não houvesse amanhã nas festinhas “pop”, sem memória nenhuma dos critérios musicais que tanto defendiam na época áurea dos clubes de música eletrônica. Foi muita pastilha????

Na linha de frente a “novidade” na seara da onda “pop” que assola as pistas cariocas é a festa de mashup Bootie. É o “pop” bagaceira elevado à enésima potência: quanto mais lixo melhor e a gracinha é misturar musiquinhas manjadinhas em produções horríveis de forma que os frequentadores possam identificar essas pérolas.

Não se sabe onde alguém ouviu dizer que o mashup é a novidade que faltava na música atual. Não tem nada de novidade. Lembro-me de ter ouvido mashup pela primeira vez num set absurdo do DJ Mauricio Lopes, na Bunker, há quase dez anos. O tal mashup reunia uma conhecida música que era utilizada nos icônicos comerciais dos cigarros Hollywood dos anos 80 (“ao sucesso”) com qualquer outra coisa reconhecível que não me lembro agora.

O mashup também se fez presente no Brasil através dos belgas do Soulwax, em sua porção DJ, os 2 Many DJs, em 2003. Nome maior da produção de mashups, o Soulwax se apresentou no Tim Festival nesse ano ao lado de outro nome do electro e que também incluía muitos mashups em seu sets, o DJ Erol Alkan. Essa foi a época do mashup, uma brincadeira passageira que hoje está mais do que enterrada.

Não tenho nada contra um ou outro bom mashup, dosado com músicas boas num set bem estruturado e entendo que a música dance vem passando por uma grande crise que acabou entediando o público. Foi uma excessiva segmentação de estilos de música eletrônica, aliado à massificação do progressivo e do trance, além de caminhos muito herméticos que foram buscados por vários produtores, como o techno minimal. Tudo isso cansou e confundiu o público que por sua vez está perdido em termos de referências, por conta de uma enorme oferta de música.

Nesse quadro caótico algumas boas iniciativas de produtores de festas cariocas brigam contra a decadência da cena noturna, mostrando que o que o Rio de Janeiro precisa é de gente que tenha bom gosto e comprometimento cultural para lutar contra os carniceiros da música pop que vampirizam as pistas da cidade.

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