O futuro da electronica


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O Bitsmag traz esta semana uma entrevista realizada por telefone com Simon Reynolds, crítico musical britânico que vive em N.York. Escrevendo sobre música para grandes jornais e revistas como o N.York Times, o Village Voice, o Observer, a revista Spin e Uncut entre muitos outros, Reynolds é um especialista na cena eletrônica que descreveu em detalhes no livro Energy Flash: a Journey Through Rave Music and Dance Culture (nome inglês do livro que nos Estados Unidos chama-se Generation Ecstasy: Into the World of Techno and Rave Culture). Foi como profundo conhecedor da música eletrônica na Inglaterra e nos Estados Unidos que Simon escreveu um artigo que reverberou por toda comunidade eletrônica mundial, entristecendo aqueles que ainda não tinham percebido o declínio dessa cultura na Europa e na América. A matéria The Turn Away From the Turntable, publicada no New York Times em Janeiro deste ano, fala sobre a queda nas vendas dos maiores grupos pop eletrônicos, o Prodigy, os Chemical Brothers e Fatboy Slim e faz uma análise do declínio da cena eletrônica nos Estados Unidos.

Em abril Simon Reynolds lançou na Inglaterra o livro Rip It Up And Start Again, que fala sobre a era pós punk de bandas e pela primeira vez faz um apanhado unificado da cultura que seguiu o punk e se desenvolveu nos anos 80. Em tempo o livro esclarece e traz à tona os artistas e cabeças pensantes de uma era que tem sido mais e mais reverenciada pela garotada de vinte anos hoje, em eventos que muitas vezes trazem o pior da década, mas que tem sido reciclada nas sonoridades mais vanguardistas do rock e da electronica atual.

No bate-papo com o Bitsmag Simon fala também sobre uma das mais novas manifestações da música eletrônica, o grime, descendente do jungle e do drum’n bass e mostra que o declínio da música eletrônica vem a ser um momento de volta ao underground e busca de identidade.

Confira o bate-papo com Simon Reynolds:

Bitsmag: Como jornalista especializado em música você escreve sobre o que acontece agora e o que pode acontecer no futuro. O que fez com que você volte ao passado, para a era pós punk e porque escolheu especificamente este período para escrever seu livro mais recente, Rip It Up And Start Again: Post Punk 1978-1984?

Simon Reynolds: No final dos anos noventa eu passava por um período onde havia estado bastante envolvido na cultura dance e na cena rave, um movimento que estava se dissolvendo um pouco. Havia muitos discos interessantes sendo lançados e muita energia nos clubes mas não se estava desafiando as fronteiras da música. Eu estava escutando muitos discos leves e agradáveis, muito bem produzidos e com um som quente, mas ao mesmo tempo eles me entediavam. Eu queria escutar algo mais aguçado, mais afiado, música mais difícil e desafiadora. Então passei a comprar discos de música clássica vanguardista, música eletrônica concreta e também passei a garimpar discos punk ingleses antigos. Ao mesmo tempo a música pop inglesa passava por um período muito ruim com muitas bandas ruins, que não eram nem as boas bandas de britpop mas sim bandas que imitavam o Oasis. Eu me perguntava o que estava acontecendo com a música inglesa que havia sido vital na era pós punk e mesmo no começo dos anos noventa, quando havia muita coisa interessante acontecendo. Eu estava fazendo estas conexões e ouvindo discos da era pós punk.

Em alguns novos discos que estavam sendo lançados eu percebi que estavam bebendo na fonte do pós punk. Eram discos estranhos e nervosos e parecia que podiam ter sido tocados em qualquer show da época da minha adolescência. Portanto isso tudo me fez pensar naquele período do pós punk e me interessar cada vez mais. O que eles queriam com sua música? Que tipo de condições fizeram com que ela acontecesse, o que havia mudado? O que existia na época e que não existe mais hoje? Quais eram as circunstâncias particulares na época e hoje? Eu observei que novos grupos estavam sendo influenciados pelo pós punk e senti o início de um crescente interesse naquele período. Portanto sugeri um artigo sobre pós punk à revista Uncut. Comecei a pesquisar e acabei fazendo muito mais do que era necessário para um artigo de revista. Fiquei tão animado com a investigação sobre esse período que no final pensei que já tinha uma grande parte da pesquisa pronta e 125 entrevistas, quando no início pensava em fazer somente 20. É um período intrinsicamente fascinante sobre o qual ainda não tinham escrito. Existem várias biografias das bandas mas não havia um livro que agrupasse a coisa toda como uma cultura unificada. E ao mesmo tempo me sentia irritado com o fato que que havia muitos livros escritos sobre o punk, centenas de livros que falavam sobre apenas alguns anos na música, afinal o punk na realidade já tinha acabado em 1978. As reverberações mais interessantes do punk aconteceram cinco ou seis anos depois que o movimento acabou.

Bitsmag: Li um artigo seu onde você fala de uma compilação de bandas brasileiras pós punk.

Simon Reynolds: Então, eu não tinha idéia até recentemente que esse tipo de música pudessse atingir lugares como o Brasil.

Bitsmag: Sobre seu artigo no NY Times em que você fala do declínio da cena eletrônica. Ele foi postado no começo do ano em vários fóruns e listas de internet aqui no Brasil e eu vi que irritou muita gente. O artigo me fez pensar porque é que nos Estados Unidos a electronica nunca foi um grande sucesso comercial e mesmo grandes pioneiros como as estrelas de Detroit, Jeff Mills e Derrick May, foram sempre mais reverenciados na Europa.

Simon Reynolds: Houve um período na América em que bandas como Chemical Brothers, Prodigy, Orbital, Christal Method e Underworld estavam vendendo muitos discos. Falo sobre o mainstream, sobre gente como Fatboy Slim. E as vendas de todos estes artistas estão muito em baixa e a imprensa também não dá grande importância a estas bandas. Houve uma época em que alguns destes grupos tinham suas músicas tocadas nas rádios comerciais e a MTV tinha um programa de música eletrônica de madrugada (o fato de ser de madrugada não importava muito). Isso foi em toda a América. As grandes gravadoras lançaram sub-divisões de música dance. Foram três fases: primeiro os Chemical Brothers e o Prodigy, depois eles tentaram alavancar o big beat, com grupos como Fatboy Slim e outros, a indústria musical tentou ao máximo vender esse tippo de música por aqui… E a última fase foi o trance, que foi bastante popular nos Estados Unidos. Gente como Sasha e John Digweed podiam ir a qualquer tipo de lugar estranho como Denver, Colorado e 20 mil pessoas iriam vê-los. Em Los Angeles esse tipo de música, o trance, era uma coisa grande. Não estamos falando de underground, estamos falando de música dance popular. Os clubes de Los Angeles que tinham eventos semanais agora passaram à frequência mensal e se mudaram para espaços menores. É inegável o declínio.

Ao mesmo tempo em lugares como a América Latina a dance music está mais forte que nunca, não é? Existem muitas pessoas que acham que é a fronteira final. Muitos DJs ingleses e europeus tocam em países latinos para grandes platéias.

A matéria que escrevi foi sobre os Estados Unidos e a Inglaterra onde o declínio da dance music foi muito acentuado. É triste porque estava muito em alta. Na Inglaterra a dance music era enorme, havia 3 ou 4 revistas especializadas e estava o tempo todo nas rádios. A maior rádio pop da Inglaterra tinha seu programa de sábado à noite dedicado à dance music. Era uma indústria enorme e está passando por tempos difíceis.

Bitsmag: Eu perguntei a Norman Cook (Fatboy Slim) quando ele esteve no Rio no começo do ano passado, o que estava acontecendo com a música eletrônica e ele disse que basicamente esta não é uma boa época para a música dance e que não está sendo produzida boa música mas que no final as pessoas vão continuar indo a clubes para dançar. Você concorda com ele que as pessoas continuarão indo a clubes independente do tipo de música?

Simon Reynolds: Outro fator importante em todo este processo é que obviamente o público quer sair pra dançar e muita gente sai pra dançar hoje nos Estados Unidos. Mas muita gente que saía pra dançar a música eletrônica de que estamos falando agora sai pra dançar hip hop. Nos Estados Unidos hip hop é música de clube. Existe o rap sério pra ouvir em casa e tem outro tipo de hip hop que é música de pista, a qual eles chamam de “bangers”, “club bangers”, músicas que fazem o clube “estourar”. E uma outra coisa que aconteceu é que o hip hop passou a utilizar idéias da música eletrônica. Se você reparar na música Get Your Freak On de Missy Eliot, é quase um jungle. Os ritmos são praticamente drum’n bass. No começo dos anos noventa uma das coisas que prejudicou a música eletrônica nos Estados Unidos em particular é que o hip hop passou a usar muitos sons eletrônicos e incorporou um som bem futurista. Mas existe este outro elemento que o torna americano, que são as rimas. As letras de rap fazem com que este tipo de música se torne muito mais cultura americana. As letras significam alguma coisa e têm atitude enquanto a música eletrônica sempre teve um ar de coisa importada. Mesmo que tenha suas raízes em lugares como Chicago e Detroit muitos americanos a vêm como música européia e algo que o pessoal da moda se interessa. No caso do hip hop eles sentem como um produto orgânico dos Estados Unidos, seu próprio produto. Eu falo da garotada branca, todo garoto branco dos Estados Unidos acha que o hip hop é a sua música. Portanto eu acho que o que está acontecendo agora é que as pessoas continuam saindo pra dançar, como sempre, mas agora a trilha é hip hop e dancehall, esse tipo de música de rua, ou “urban”. O R&B também pegou um som bem futurista, alguns discos de gente como Destiny’s Child têm um elemento estranho neles.Eu concordo com Norman Cook, as pessoas sempre vão sair pra dançar, isso não vai passar. Existem muito clubes hoje em dia, mas eles são menores. Existe muita coisa acontecendo em N.York. São festas que não têm flyer ou divulgação na imprensa. É coisa de divulgação boca a boca e você tem que conhecer alguém envolvido pra poder saber da festa. A coisa ficou bem underground e de uma certa forma isso é bom porque as pessoas que fazem estes eventos são muito dedicadas e não há muito dinheiro envolvido portanto eles fazem por amor. Os DJs podem ganhar menos de US$ 100, não estão pensando tanto em carreira e sim no prazer de fazer.Ainda tem discos interessantes sendo produzidos, não é que a coisa morreu mas houve um momento em que gente como eu, que sempre acreditei muito na dance music, achava que a coisa iria se tornar muito maior e uma força popular nos Estados Unidos e isso não aconteceu.

Bitsmag: O que deve acontecer de novo agora na electronica? Minimal, grime? De que você gosta hoje na música eletrônica?

Simon Reynolds: O grime é o que eu tenho acompanhado e é o que acredito porque ele descende das coisas que eu acreditava muito nos anos noventa, o jungle e o drum’n bass. Existe uma cultura em Londres em torno das rádios piratas, a rádio ilegal e o grime é uma extensão disso. O som do grime e seus ritmos são influenciados por jungle, techno e house, musicalmente é parte de uma tradição mas eles adicionaram um elemento extra que é o MC, mas com uma característica diferente. No jungle sempre houve MCs porém em suas palavras não havia muito conteúdo, era mais uma coisa de expressar alegria pra levanter o público na pista. No grime eles contam histórias, é poético. Mesmo quando falam em morte de pessoas há uma sofisticacão na linguagem. Portanto pra mim eles combinam os elementos mais excitantes do hip hop, os elementos mais excitantes da dance e do reggae e os elementos mais excitantes da electronica.

Saiba mais sobre Simon Reynolds nos endereços: http://www.simonreynolds.net/ e http://blissout.blogspot.com/

 

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